Na imposição do lápis, hesito: Escrevo um poema ou pinto os olhos? Frente à maçã: Dou a mordida ou uso o blush? Esse tom bourbon vem da palavra ou do batom? Visto meu tomara-que-caia ou rezo: Tomara-que-fiques. Uso renda e saio toda prosa ou espero que renda a prosa? Expiro, inspiro: Um romance? Dá pra viver os dois ou dou pros dois? Não sei se ando movida pela vaidade ou pelo desejo. Reminiscências ou feminiscências?Poeta ou fêmea onde a carne freme?Arre, estou em falta com os sêmens-deuses.
sábado, 13 de novembro de 2010
"Não vás. E não fui. Ainda que todo o dia, toda a vida, tivesse esperado aquele instante, único entre todos os instantes, ainda que tivesse imaginado o mundo ao pormenor depois da fronteira pequena daquele instante, não fui. "
José Luis Peixoto - In.: Nenhum Olhar
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Ainda me lembro daquele entardecer ensangüentado em que as nuvens olharam para o sol com o intuito de sacrificá-lo. As portas do céu se fecharam com a austeridade de um santo sepulcro. Naquele dia a morte saiu do anonimato e encontrou um jeito de me deixar sozinha no mundo. Às vezes, tinha a impressão de escutar o tilintar daquelas chaves, como se o simples vapor de minha respiração as alertassem. Miragem. Saí de lá e segui pelas ruas, na certeza de que mergulharia num silêncio absurdo, e que envelheceria como essa cidade entre as sombras dos pedestres, até desaparecer para sempre entre os cabarés e bares, tragada por algum espírito boêmio e fumegante que me arrastasse com ele para um umbral de perspectivas inimagináveis, se houvesse mais, segurando cada um de um lado. Atravessei o que tinha sido um deserto, no afã de resgatá-lo. Não encontrei nada além de esqueletos de sonhos incendiados, fartos de tanta autocomiseração e conflitos desnecessários. Hoje esvazio meu coração e deixo para sempre o amor que tanto havia celebrado. Já ensaiei tantas despedidas em cima deste palco. Nada saiu como eu havia planejado. Quando acreditei que havia desistido, fui obrigada a voltar atrás e confessar que tinha recomeçado.
Pipa.
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